domingo, 12 de outubro de 2008

AO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Senhor Presidente da República,
Apela Vª Ex.ª, e muito bem, à união de todos os portugueses para vencer as dificuldades com que o país se defronta, decorrente da crise financeira internacional, garantindo que essa é uma tarefa que nunca abandonará e, parece-me de todo consentâneo essa sua postura e preocupação, que se enquadra perfeitamente nas responsabilidades que lhe incubem como o mais alto dignitário da nação e nem outra coisa esperariam os portugueses, pudesse estar na ideia de Vª Ex.ª.
Contudo, terá a consciência de que tal propósito não é uma tarefa fácil, porque os portugueses estão demasiado cépticos e, ainda que pedida por Vª Ex.ª, as suas palavras não encontrarão eco em muitos sectores da vida nacional, não porque os portugueses não estejam preocupados. Estão e, naturalmente muito, mas o momento de crise que ora vivemos se bem que, salientando as devida proporções, é algo a que este povo já está habituado e sente na pele há muitos anos, pelo futuro sucessivamente adiado e comprometido por todos os governos pós 25 de Abril, governos, aliás, que Vª Ex.ª também chefiou.
Diz ainda que, «Como Presidente da Republica nunca ninguém me verá tentar dividir os portugueses mas sim apresentar bons exemplos para uni-los, para mobilizá-los» exortando à «responsabilidade de todos os agentes políticos» para que a mobilização e a união possa ser uma realidade.
Seria excelente que todos os portugueses, de uma vez por todas, se unissem, e não só porque Vª Ex.ª manifeste que nunca será o vector para a desunião. Isso representaria, sim, que este povo estava devidamente emancipado e não se deixaria arrastar pelas promessas fúteis dos políticos, que se sucedem descaradamente em tempo de eleições, numa verdadeira caça ao voto, sendo os programas partidários um contrato que os partidos estabelecem com o eleitorado mas que nunca cumprem, fazendo tábua rasa do que prometem em campanha, gozando de total impunidade pelo seu incumprimento.
Pode Vª Ex.ª, e deve, responsabilizar todos os agentes políticos, e se o conseguir verdadeiramente, o que duvido, já estará a apresentar bons exemplos para nos unir e mobilizar. Mas é preciso estar consciente que os portugueses há muito que estão divididos e a culpa é da baixa politica praticada tornando-nos, no presente, o pior país da Europa.
Teceu criticas sem especificar, «Aqueles que neste momento procurem dividir os portugueses só estão a criar dificuldades ao nosso desenvolvimento e à melhoria das condições de vida de todos», frisou, mas ainda que não tendo especificado Vª Ex.ª a quem se referia concretamente, uma coisa eu tenho quase como segura, é que Vª Ex.ª não se estava a referir à maioria dos portugueses, porque quem nos divide é a classe dominante que mesmo em tempo de crises, que eles próprios criam, continuam a viver na opulência enquanto o povo se vê a braços para satisfazer as suas necessidades mínimas, não o conseguindo muitas vezes. E Vª Ex.ª sabe-o muito bem e eles também!
Para Vª Ex.ª só com essa união Portugal tem possibilidade de «reencontrar a trajectória de aproximação» relativamente a outros países da União Europeia, «de que estamos afastados há demasiado tempo», salientou.
Suponho que a união que Vª Ex.ª preconiza neste momento de aflição, é a união entre ricos e pobres; é que sejamos ainda mais permissivos para nos sugarem o pouco que temos para gáudio dos que muito têm. Sim, porque esta crise que se instalou pela ganância desmedida do lucro fácil, só torna os ricos menos ricos mas coloca os pobres no limiar da miséria.
E quando a crise for ultrapassada, ouvirei a voz de Vª Ex.ª a instar o poder económico para ajudar a tirar do atoleiro este país e a ser mais justo na partilha da riqueza para com todos os portugueses a quem Vª Ex.ª pede neste momento para estarem unidos? Será esta a trajectória de aproximação a que Vª Ex.ª se refere?
É que o fosso que nos separa de outros países europeus, dos quais estamos afastados há muito tempo, como Vª EXª salienta, não é inocente. Tem a ver com as politicas desastrosas de quem tem tido a responsabilidade de nos governar e que o tem feito de forma alijada dos verdadeiros interesses nacionais, permitindo toda a sorte de descalabros que hoje nos colocam na cauda da Europa, sendo Portugal o país com os piores rácios em tudo o que é bom ou mau.
Vª Ex.ª classificou, e sabe bem do que fala, como «difíceis» estes momentos em que vivemos, que emerge da crise financeira internacional, tendo ainda observado, «é nestas situações que temos de confiar na nossa capacidade de vencer». Subscrevo essa preocupação como, de resto, penso que subscreverão todos os portugueses, mas isso não obsta a que todos nos interroguemos que futuro se vislumbra para este país depauperado em que o descrédito está instalado de tal forma, que se mostra difícil a necessária confiança na nossa capacidade de vencer, à qual Vª Ex.ª apela.
Além do mais para que necessitará o país e o governo da nossa confiança se, com ela ou sem ela, seremos sempre nós a pagarmos a crise?
Quando passar a turbulência, muitos dos políticos, que são uma estirpe de memória curta, que muito prometem e pouco cumprem e os banqueiros que hoje estão à beira da “miséria”, continuarão refastelados nos seus cadeirões partilhando do bolo que todos ajudámos a amassar mas que, no final, só nos ofertarão uma pequena fatia, esperando os primeiros que fiquemos calmos até às próximas eleições e, os segundos, que nos possam continuar a ter como clientes “preferidos”, obtendo lucros chorudos, até ser-mos de novo “chamados” para ajudar a debelar a próxima crise.
Não nos peça Vª Ex.ª, Sr. Presidente, para estarmos unidos ao governo e aos bancos. Peça ao governo e a banca, isso sim, para saírem do pedestal em que se encontram e virem cá abaixo ver o país real.

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