terça-feira, 12 de maio de 2009

DA VIOLENCIA DO BAIRRO DA BELA VISTA, SEM VISTAS TURVAS!

Não sei se estamos propriamente no rescaldo dos acontecimentos dos últimos dias no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, mas dado que as ultimas informações parecem indicar isso mesmo, eu que não gosto de fazer análises a “quente”, uma vez que, muitas as vezes, elas nos quebram o discernimento, entendi da oportunidade de tecer alguns comentários, não pretendendo corrigir nada nem ninguém, apesar de um manancial de incongruências que se debitaram por aí, oriundas dos mais variados sectores.
O que pretendo é simplesmente transmitir a minha opinião de cidadão, veiculando algumas apreensões que se projectam muito para lá do comentário comezinho, como se alguma coisa das que se passam no nosso quotidiano fosse obra do acaso, em que esse malfadado “Diabo” (refiro-me mesmo a Satanás) se aposse das nossas vidas, transformando, ele mesmo, as nossas vontades tornando-a um desígnio sem remédio, tendo “Deus” perdido o controlo do seu rebanho, cujo pastoreio está entregue a uns quantos “pastores iluminados”, que nos seleccionam pela qualidade da lã de que a cada um pode extrair, empurrando as ovelhas ronhosas para redis lamacentos e recônditos, onde a qualquer momento, qualquer boa ovelha do rebanho pode ir parar, assim entenda quem o conduz, sempre que se acabem os produtos que nos tiram do corpo e que nos classifica entre as boas e más ovelhas.
É evidente de poderia ter evitado esta parábola, mas enveredei por esta forma descritiva na constatação de que não passamos realmente de um rebanho; manso, obediente, que comemos sem berrar, qualquer erva que nos ponham na frente e calcorreamos qualquer caminho, acossados constantemente pelos cães de fila, que tão bem estão ensinados pelos seus donos para que não nos tresmalhemos.
Não é minha intenção que sobressaiam destas minhas palavras a apologia da violência, da alteração da ordem pública, do caos, se quiserem. Mas não me posso ficar nas meias-tintas, da análise de que o eclodir da violência se confina no facto de esta ter origem na marginalidade pura e simples. Tem, em grande parte, é verdade, mas é preciso ir mais longe e concluir que esses mesmos delinquentes são o produto da sociedade em que vivemos e olhar para este problema de outra maneira é arredarmo-nos da verdade e desculpabilizar os governos que se demitem constantemente das suas mais elementares responsabilidades de integração social.
Hoje falamos da Bela Vista e amanhã poder-se-á falar dos inúmeros “guethos” que proliferam não só na margem sul, como por todo o país e será cada vez menos crível a tranquilidade nos seus interiores, situação que naturalmente terá tendência para recrudescer com a crise e, não me admira nada, sem querer perscrutar uma visão dantesca do futuro imediato deste país, que essa mesma violência não perpasse para cá desses locais degradantes e degradados e se alastre a outros, no momento, imprevisíveis, onde grassam o desemprego e, por consequência, a fome e a miséria que em tempo algum são bons conselheiros.
A polícia na rua, perante as circunstâncias, é uma inevitabilidade e há que manter a ordem. Isso é inquestionável. Mas, o que não é inquestionável, é que a policia mais do que uma força da ordem, é um corpo de “bombeiros” do regime, que tem de apagar os fogos que o governo ateia e que descura a responsabilidade que lhe incumbe de ser profiláctico.
No Bairro da Bela Vista, moram cerca de 5000 pessoas das quais, pouco mais de 1000, recebem o Rendimento Social de Inserção, abrangendo 275 famílias que recebem entre 300 a 350 euros/mês. A população mais jovem tem grande dificuldade de se integrar socialmente, a taxa de desemprego ronda os 28,7% e só apenas 5% da população concluiu o secundário. A taxa de pobreza roça os 53 %, sendo nas famílias com filhos menores que esta incidência é maior, o que resulta que estejam em risco de pobreza, sete em cada dez menores.
Isto é o Bairro da Bela Vista. Haverão outros iguais ou piores e, pergunto-me se por este andar eles não poderão ser o espelho de um grande “bairro” em que se pode transformar Portugal?

“Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo
Cuidado que pode o povo
Querer um mundo novo a sério”. - António Aleixo

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