sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Fernando Nobre, Presidente da AMI - Um homem nobre!

Por considerar que se reveste de bastante interesse a entrevista concedida pelo Dr. Fernando Nobre, presidente da AMI-Assistência Médica Internacional, à "Noticias Magazine", no dia 21 deste mês, entendi publicar alguns enxertos que merecem o devido destaque.


CITAÇÕES

«Pessoalmente, acredito que todos nascemos com alguns pressupostos e, depois, ao longo da vida, vamos sendo marcados por um caminhar que fazemos».

«Somos todos fruto do acaso mas também determinamos o nosso destino».

«Há coisas que já percebi e outras não. Há uma essencial - o ser humano anda à procura de alguém a quem amar. de ter uma vida digna, ver os filhos crescer com saúde e viver em paz. Depois há uma pequena minoria que anda neste mundo em busca de poder e que, em nome disso, está disposta a tudo. Quanto a mim», são mecanismos cerebrais desviados».

«Entrámos no século XXI, mas lemos A República, de Platão, e percebemos que, em dois mil anos, o que aprendemos foi nada. Sem dúvida que vivemos melhor do que Luís XIV mas, em termos de inteligência, os espíritos luminosos da humanidade não conseguiram frutificar o seu exemplo».

«Penso que no nosso país temos demasiada cátedra - em Bruxelas eu era "apenas" o Sr. Nobre [...] A única vez em que fomos um país interventivo no panorama internacional foi sob a liderança de um homem extraordinário: o rei D. João II, que morreu aos quarenta anos, mas foi o nosso grande estadista. Depois dele (morreu em 1495) passámos a viver em regime de masturbação mental».

«A AMI recebe por ano cerca de 750 pedidos de intervenção. Actualmente temos projectos em 23 países, mas o nosso historial já conta com 56, oito com equipas médicas nossas, os outros em parcerias com ONG locais. Eles conhecem melhor do que ninguém as duas necessidades - estão implantados, têm os recursos humanos e muitas vezes falta-lhes a capacidade financeira. [....] Os nossos principais problemas são, de facto, os recursos humanos. Há uns anos mandámos cartas para os médicos de todo o país, recorrendo ao arquivo da ordem. Responderam-nos trezentos, num universo de cerca de trinta mil. A esses mandámos um folheto com informações mais detalhadas. Responderam-nos mais ou menos sessenta. Salvo em momentos quentíssimos (por exemplo, Setembro de 1999, quando toda a gente queria ir para Timor), depois passa o fogacho»

«Não sei se não vou acabar a minha vida a comer um prato de sopa. Penso muitas vezes nesse grande homem que foi Aristides de Sousa Mendes (cônsul de Portugal em Bordéus, à data da invasão da França, pelas tropas alemãs, na Primavera de 1940). Para defender os judeus na Segunda Guerra Mundial, morreu pobre e abandonado, a queimar móveis para se defender do frio. [....] Também já vi na ex-Jugoslávia cirurgiões cardíacos a viverem na rua. Se isso acontecer, espero encontrar um centro como o da AMI».

«Acho que tenho capacidade para ajudar alguém. Uma das minhas maiores preocupações é ir a um dos centros da AMI que já estão a trabalhar no nosso país a fornecer mais de mil almoços por dia. Mas há momentos em que penso que podia estar a tirar próstatas e rins, a ganhar umas massas e ir de férias. Não tenho nenhum cartão partidário nem quero ter [...] Nos hospitais em Bruxelas cheguei a fazer muitos bancos seguidos, de tal maneira que a minha primeira mulher levava ao hospital os meus filhos (ele com dois anos e ela com meses) para que eu os visse».

«Já tive vontade de responder à violência. Digo muitas vezes que isto só se resolve com metralhadora e confesso que tenho uma certa admiração pelo meu colega de profissão, Che Guevara. Nunca matei - espero nunca matar - , mas talvez fosse capaz disso se estivessem em causa coisas essenciais como a liberdade ou a segurança daqueles que amo. Quando vamos ao Chade, país produtor de petróleo com oitenta quilómetros de área, e percebemos que há tanta pobreza, o que podemos sentir? Na Palestina contrói-se um muro que separa famílias. Se para os visitar tivesse de ultrapassar várias barreiras, não sei quantas humilhações, não sei se não pegaria numa metralhadora. Se eu tivesse sido judeu no gueto de Varsóvia, não teria pegado numa arma para me defender?. É morrer ou matar. Os grandes pecados são a indiferença, a intolerância, o egoísmo feroz».

«Para apontar o dedo a um grande sacana que visse na rua, seria precisa imensa coragem porque as redes de poderosos estão muito bem estruturadas. Estamos numa sociedade que, como dizia o meu amigo Sá Machado, se parece com uma sala cheia de fezes em que toda a gente está em bicos de pés para manter a cabeça de fora».

«A ONU tem virtualidades e pontos fracos. As minhas criticas vão no sentido de algumas nomeações, a partir de determinado cargo, serem da responsabilidade de uma única grande potência [...] quando vejo uma casa no Ruanda ser paga a dez mil dólares mensais, quando vejo as mordomias atribuídas aos altos dignitários destas organizações, fico indignado. Há dramas que só foram possíveis porque a ONU não pôde ou não quis actuar [....] nos últimos anos, no Zaire, actual República do Congo, terão morrido cinco a sete milhões de pessoas na indiferença total. As Nações Unidas são o que os Estados querem que ela seja. O FMI é um país com direito de veto e ponto final».

«No Ruanda ou no Zaire houve casos gravíssimos. O que aconteceu ao povo angolano também é um escândalo. Mas não tenhamos dúvidas: para o Ocidente, morrerem dez milhões de negros representa o mesmo do que se morressem dez milhões de moscas».

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